Há vida pós-pandemia?

Há vida pós-pandemia? Estamos vivendo algo inédito, uma experiência sem precedentes neste século, e por isso é comum que eu e você muitas vezes nos sintamos perdidos. Basta um breve olhar ao seu redor para perceber que muita coisa mudou, que já não somos mais os mesmos, não interagimos da mesma forma, já não existimos …

Há vida pós-pandemia?

Estamos vivendo algo inédito, uma experiência sem precedentes neste século, e por isso é comum que eu e você muitas vezes nos sintamos perdidos. Basta um breve olhar ao seu redor para perceber que muita coisa mudou, que já não somos mais os mesmos, não interagimos da mesma forma, já não existimos como ontem. O que me leva à pergunta: o que disso tudo vai ficar? Como será que estaremos quando tudo isso passar? É sobre isso que quero abordar agora, e farei a partir de três perspectivas: passado, presente e futuro.

Passado
Faça um exercício comigo, role sua timeline para dezembro de 2019 e observe como eram as publicações dos seus amigos nas redes sociais. Reuniões, abraços, sorrisos à mostra, almoços de domingo em família, balada, shopping e assim por diante.

Agora, vamos além, você se lembra de como era a experiência de fazer compras de mercado? Você andava nos corredores (às vezes cheios de pessoas, famílias com crianças), procura seus produtos, coloca no carrinho, dava uma olhada no celular para verificar a lista, uma coçadinha no rosto aqui, uma passada de mão no cabelo e para esperar o caixa, se escora no balcão. Pagou, levou as sacolas até o carro e foi pra casa. Chegando, havia aquele momento “malabarístico” em que você está com as mãos cheias de sacolas e ainda precisa, segurando a chave do carro, fechar o porta-malas. Fácil: segura a chave com a boca, é rapidinho, não dá em nada. Pronto, entrou em casa, guardou todos os produtos, e a vida que segue.

“Hey, faz tempo que não te vejo, vamos sair? Bater perna e ver o que tem de novo nas lojas?”, alguém te pergunta. “Vamos, aproveitamos e comemos em algum lugar”, você responde. E você nem percebeu que essa foi a última vez, desde então, que você fez esse tipo de passeio.

Presente
Não é mais improviso, sair de casa virou tarefa planejada: tem máscara lavada? Onde eu vou, será que tem álcool? E se eu levar o meu álcool no bolso? Será que eu preciso mesmo sair? E se eu pegar o vírus?

No varal, ao invés de coleção de roupas, coleção de máscaras. Diversas cores, tecidos e desenhos, é bom ter bastante, vai que falta.

Bom, mas alguma hora tem que ir no mercado. Pode esquecer a jaqueta, mas não pode esquecer a máscara, senão não entra. Chegando lá, vamos ser objetivos, quanto menos tempo lá dentro melhor. Pega a lista de papel (afinal, melhor não ficar tocando no celular). Pega os produtos tentando tocar o menos possível neles, do lado tem alguém usando luva, do outro alguém com protetor fácil… “Esse corredor não”, tem muita gente, melhor evitar. O alto-falante: “orientamos que venha apenas um familiar por família, não tragam crianças”. Um clima estranho, tenso, parece que todo mundo está meio desconfiado. Terminadas as compras vai pra fila do caixa, para na faixa vermelha que indica dois metros de distância, espera e pensa: “não toque em nada, não se encoste, não coça o rosto, não toca no cabelo, não pega no celular”. Paga as compras, leva pro carro, pega o álcool que você sempre sai com ele, passa na mão, tira a máscara com cuidado, põe no saco, guarda, agora vai.

Em casa, faz mais de uma viagem se precisar, “Não põe nada na boca, pelo amor de Deus!”. Fecha a porta com o cotovelo, deixa o sapato na porta, tira os produtos da sacola, limpa um por um, põe as verduras e frutas de molho, troca de roupa, se possível toma banho. “Ufa, mercado feito”.

Mas daí você olha e vê, que depois de tudo isso, faltou tirar o lixo… e lá vamos nós: máscara, cotovelo, álcool, sabão, sapato na porta…. e a vida segue.

Futuro
Os relatos que acabei de fazer podem ser até cômicos porque muitas coisas que antes eram simples hoje são cansativas e complexas. Podíamos listar aqui muitas outras coisas que mudaram: reuniões e aniversários virtuais, jogos de futebol sem torcida, aulas suspensas, abraços e apertos de mão proibidos, #fiqueemcasa.

Mas e o que disso tudo vai ficar? Essa é uma pergunta muito interessante e que só o tempo pode nos responder, mas uma coisa é certa: não há como “voltarmos ao normal”. É inevitável que ao passarmos por uma mudança tão drástica na nossa realidade não sejamos afetados. Estamos todos de luto, seja por nossos costumes, por nossa saúde ou ainda por familiares e amigos que perdemos. A questão aqui é que não há normal para se voltar.

Se vamos sair dessa “melhores” do que entramos vai depender de nossa capacidade de flexibilidade e aprendizagem. Mais do que tentarmos adivinhar como será nosso futuro, vale pensar no que podemos absorver de tudo isso.

Uma vez que só no Brasil tenham morrido mais de 60 mil pessoas pela COVID-19, é motivo suficiente para repensar nossas formas de nos relacionarmos com as pessoas, com o meio ambiente, com a comida, com a nossa vida. Coisas que antes eram tidas como efêmeras hoje ganham muita importância. Mas será que temos que perder para dar valor?

Dessa forma podemos entender que não há um futuro pronto à nossa espera, estamos construindo-o no agora, com cada atitude, cada escolha, cada aprendizagem. Com responsabilidade, a partir do reconhecimento da gravidade pandêmica e das marcas afetivas que inevitavelmente nos acompanharão daqui em diante, seguiremos transformados e transformando.

Ronny Kurashiki é psicólogo clínico do Valencis Curitiba Hospice.

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