É preciso estar ao lado de quem experiencia o fim da vida

É preciso estar ao lado de quem experiencia o fim da vida  Acompanhar uma pessoa que experiencia o fim da vida é sempre desafiador e emocionalmente desgastante, mesmo quando compreendemos e aceitamos que somos seres finitos. Falar sobre o morrer e a morte é desafiador tanto para o paciente quanto para seus familiares e amigos, …

É preciso estar ao lado de quem experiencia o fim da vida

 Acompanhar uma pessoa que experiencia o fim da vida é sempre desafiador e emocionalmente desgastante, mesmo quando compreendemos e aceitamos que somos seres finitos.

Falar sobre o morrer e a morte é desafiador tanto para o paciente quanto para seus familiares e amigos, ambos ainda temem falar algo errado, gerar sentimentos negativos e serem julgados pelos outros familiares e amigos como pessimista. Além disso, podem estar em negação ou vivendo a conspiração da cura.

 A pessoa que caminha para a etapa final da trajetória do morrer tem diversas necessidades e entre elas estão as “necessidades da alma”, ou seja, sentir-se aceita, acolhida, ouvida, cuidada e segura. Ela pode estar tranquila, mas também pode estar assustada, confusa, sentindo-se sozinha e desejando conversar verdadeiramente sobre o que está sentido.

 Ao conversar sobre o que está sentindo ou pensando pode se referir a várias situações, como medo de morrer, de ser um peso para a família, sentimento de ter sido traída pela vida, estar com raiva de Deus e sentindo-se abandonada por ele, acreditar em um milagre, ressentimento por não ter aproveitado a vida, desejo pela morte, desejo de ver familiares e amigos, necessidade de pedir perdão. Além disso, ela pode se mostrar muito irritada, demonstrando raiva e agressividade com familiares, amigos e equipe de saúde.

 É importante lembrar que você caminha ao lado do seu familiar nessa estrada e, muitas vezes, compartilha os mesmos sentimentos e pensamentos descritos acima. Nem sempre essas percepções são claras, mas uma conversa esclarecedora, honesta e amorosa pode facilitar a conexão entre vocês. Chorar, praguejar e rir juntos pode trazer uma conexão ímpar, e ser um bálsamo para as necessidades da alma.

 O ser humano tem a capacidade de ouvir, isto é, receber o som que entra pelos ouvidos. Já escutar é uma habilidade que está em falta em nossa sociedade, que é quando estamos implicados com o conteúdo e significados desses sons. Assim, a pessoa que está partindo precisa muito mais que um receptor de sons. Precisa de alguém que escuta de forma implicada, que se importe com aquilo que está sendo dito.

 Nesse sentido, um dos grandes questionamentos é sobre como começar a conversar sobre o morrer e a morte, pois sempre fica aquela dúvida se a pessoa deseja falar mesmo, se iremos causar sofrimento ao perguntar. Bem, o seu familiar ou amigo pode te surpreender com algumas perguntas como: “Será que existe vida após a morte?”, “O que acontece depois da morte?”, “Você acredita que Deus existe?”.

 Você, por sua vez, pode se utilizar de algumas questões indiretas como: “Eu estava aqui pensando se há algo que você gostaria de conversar”, “Tem alguma coisa te preocupando?”, “Como eu posso te ajudar?”. Outra opção são as perguntas diretas: “Se você ficar muito doente, você gostaria de conversar sobre isso comigo?”, “Se você ficar doente, quais cuidados médicos gostaria de receber”, “Você já pensou o que quer fazer com as suas coisas?”, “Você já pensou sobre como gostaria que fosse o seu funeral?”. Essas perguntas permitem que ele diga não e ao mesmo tempo deixa a porta aberta para futuras conversações, pois você mostrou que se importa e que deseja ouvi-lo.

 Para manter o espaço de diálogo aberto, deixe claro para seu familiar que você está disposto a ouvi-lo sempre que ele desejar, que ele pode falar sobre os medos, preocupações, expectativas, incômodos.

 Ao abrirmos o espaço para essas conversas significativas precisamos estar disponíveis para escutar verdadeiramente a pessoa, para isso existem algumas dicas:

  • Ser respeitoso: não existem respostas certas ou erradas para perguntas existenciais. Lembre-se de que se trata da experiência dessa pessoa, então o seu ponto de vista e suas crenças podem não ter o mesmo sentido para ela como têm para você. Foque no que ela sente, pensa e acredita.
  • Seja honesto: se não souber como responder ou reagir, segure as mãos da pessoa, reconheça o seu sentimento e fique em silêncio. Negar a situação, fugir do assunto e usar frases prontas como “vira essa boca pra lá”, “tem gente passando por algo pior”, “Deus não dá uma cruz maior que você possa carregar” normalmente não irão ajudar muito. Já as piadas às vezes podem ter seu valor, mas tome cuidado para que não tomem conotação de desdém.
  • Linguagem corporal: esteja atento à sua postura, demonstre interesse, olhe nos olhos, preste atenção à posição corporal do seu familiar ou amigo e às emoções que ele está demonstrando. Será que ele está falando algo e o corpo mostrando outra coisa? Se isso acontecer, pergunte o que ele realmente está sentindo ou querendo dizer.
  • Cuide de você e procure ficar tranquilo, quando o choro, a vulnerabilidade e a desesperança do seu familiar/amigo surgirem, respire fundo, fique em silêncio, deixe um espaço físico confortável entre vocês, pegue talvez nas mãos dele e lembre: não há problema em chorar junto.
  • Não tenha medo de chorar, esbravejar e rir junto, de forma natural, com seu familiar e amigo. É nesse momento que as almas se conectam e que a pessoa se sente realmente acolhida.
  • Não tenha medo do silêncio. O silêncio é reconfortante, muitas coisas são ditas sem palavras.
  • Reconheça e valide as emoções que seu familiar/amigo demonstra: “você tem direito de se sentir assim”, “Tudo bem sentir medo, ansiedade, tristeza… eu também estou me sentindo assim”.

 

Fonte: Gisele dos Santos, geriatra, e Ronny Kurashiki, psicólogo. Os profissionais fazem parte da equipe do Valencis Curitiba Hospice.

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